O professor que zerou o ChatGPT
Christopher Howell não zerou a vida, mas deu nota zero para o ChatGPT
Você não conhece o professor Christopher Howell. Nunca nem sequer deve ter ouvido falar. Normal. Ele é um daqueles casos de 15 minutos de fama proporcionados pelo que se convencionou chamar conteúdo viral. Confesso que minha antipatia pela expressão começou quando li o livro, “Hitmakers: como nascem as tendências”1, de Derek Thompson (à época editor sênior da The Atlantic), em que ele desconstrói esse mito da viralidade em redes sociais, com base na própria epidemiologia.
A explicação é a seguinte: um vírus se multiplica de maneira exponencial começando por uma espécie de marco zero, ou melhor, paciente zero.
O paciente zero infecta dois, dois infectam quatro, quatro infectam oito e assim por diante. Segundo o livro, talvez muito pouco ou nada até seja viral na internet. Logo, a disseminação desse tipo de conteúdo obedece o padrão de um falando para muitos ao invés de muitos falando para muitos.
É muito mais o que vemos acontecer com meros segundos de uma propaganda veiculada na televisão para milhões de telespectadores, e muito menos aquilo que gostaríamos que acontecesse quando soltamos um conteúdo e esperamos que o boca a boca faça o resto do trabalho.
Feitas as apresentações dessa hipótese, é hora de voltar a falar do professor Howell e como ele viralizou no twitter. Eu não saberia dizer quem foi o responsável por compartilhar o seu tweet viral e com isso impulsionar o conteúdo que hoje bate mais de oito milhões de visualizações. Um número mágico para quem até então estava digitando caracteres que não ultrapassavam 100 views. O que mudou? De novo, não sei quem foi, mas é fácil dizer o porquê.
Christopher compartilhou na rede social um experimento que realizou em sala de aula, na Universidade de Elon. A motivação recaía na pergunta: desconfiar ou não desconfiar do ChatGPT? Eis a questão. Seus estudantes então deveriam gerar 63 ensaios por meio da ferramenta da OpenAI a partir de um prompt fornecido por ele. Depois, a cena invertia-se. Os alunos virariam os professores e o ChatGPT ficaria igual todos nós aguardando com ansiedade pelo gabarito. Passado o tempo de avaliação, lá veio a bomba. Os textos estavam um desastre. Citações incorretas ou inexistentes, fontes fakes e uma sequência de informações imprecisas. A iniciativa do professor teve um excelente objetivo pedagógico. Mostrou aos alunos que a tecnologia não é uma espécie de lâmpada mágica capaz de conceder três desejos ao teclar de alguns prompts.
Eu não estou procurando com isso demonizar o ChatGPT. A ferramenta realmente me ajuda muito a dar um belo de um by-pass em tarefas inúteis e repetitivas. E até mais. Posso dizer que me concedeu uma espécie de power-up com relação a reescrever alguns parágrafos em língua inglesa de modo que soe mais próximo aos de um jornalista nativo britânico. Porém, acho que mora aí o cerne da questão. Quando escrevo, aprendo. O ChatGPT apresenta situações em que me coloca como um dos estudantes do professor Howell, apurando informações por onde eu não saberia como começar, além de me instigar a corrigir e fazer o contrário do que é tido como lógico pela ferramenta.
Se a vida entrega limões, o jeito é fazer uma limonada. Os próprios professores também vêm encontrando meios de extrair o melhor desse novo cenário. Não são poucos os scholars que deixam para o ChatGPT o trabalho de gerar textos cuja finalidade é cumprir a burocracia recorrente no dia a dia de trabalho em uma universidade.
Agora o mais curioso é quando o assunto são cartas de recomendação2. Os mesmos professores abrem o ChatGPT para buscar inspiração em como não escrever uma carta fria e sem emoção na hora de indicar um brilhante estudante a uma bolsa de estudos. Tá aí uma coisa bem humana de se fazer.
É preciso tirar lições desses textos gerados por inteligência artificial. Você pode aprender com os “acertos” e “erros” neles, mas muito mais com os “erros”. Um grande modelo de linguagem é desenvolvido para produzir uma combinação de palavras que segue um padrão lógico, porém isso nem sempre resulta em algo inteligente, emotivo ou mesmo verdadeiro. É saudável desconfiar da tecnologia, pois assim exercemos pensamento crítico e passamos a vê-la de fato como ela deve ser vista. Um meio, não um fim. Um complemento à nossa educação.
O maior desafio fica sendo fazer com que as pessoas tenham consciência disso, pois infelizmente se tornou normal ouvir a resposta, “Pergunta pro ChatGPT”. Foi um erro creditar o Wikipédia como o oráculo de uma geração, e vai ser um erro dar as mesmas credenciais para a inteligência artificial. Prefiro continuar dando créditos ao professor Howell, que depois da fama repentina começou uma newsletter3 sobre seus estudos em tecnologia e ciências sociais. Espero que a nova publicação também alcance milhões.
Ainda fico me perguntando quem foi o responsável pela pseudoviralização do seu tweet. E sim, o ChatGPT já me respondeu isso. Sugeriu-me “realizar uma pesquisa online em fontes confiáveis de notícias ou nas redes sociais para obter os detalhes mais recentes sobre o assunto”. Tirou o corpo fora. Mandou bem.